terça-feira, 5 de agosto de 2008

Carta a Sam


Todas as mulheres são castradoras.
Por estranho que possa parecer, Sam, naquele sábado aprendi muito.
Segui por aquela rua estreita e encontrei a casa feita de barro.
Esperavas-me à porta. Como se tivéssemos um encontro de amantes.
Depois falaste no meu perfume de mulher.
A varanda envidraçada, o sol do campo, em Vila do Paço (Torres Novas), um chá com leite a meio da manhã.
Quadros, música clássica, uma cama escondida por detrás de um biombo. Um robe pendurado num tronco de árvore.
Não há mulheres na casa.
Há latas de conserva. Uma escada de madeira. Um sofá com um tapete de pele. Armários para arrecadar tudo o que faz um homem feliz. Programas de computador, livros de arte.
Múltiplas ramagens nascem da raiz da casa e atingem as vidraças.
O chá arrefece na mesa.
Falamos do sexo dos anjos, do sexo que os miúdos descobrem aos 16 anos e que as miúdas descobrem muito mais cedo. Amadurecidas. Como os frutos que pendem das árvores ali à frente.
Falamos das mulheres castradoras. Da missão de ser mãe. Da mulher que ser deixar de ser mulher. Para ocupar o lugar do homem.
Concordo Sam. Nesse dia aprendi muito, por entranho que possa parecer.
Depois recebi as flores envenenadas. Avisaste-me, Sam, de que deveria ter cuidado.
Tal como tu, que vieste da Austrália a Portugal guiado por estranhas visões, também eu encontrei a tua casa de barro para conhecer a verdade.

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